Ontem, 12 de março, as mobilizações por um ano na busca por respostas pelo assassinato de Marielle e Anderson se aqueceram. Dois homens foram identificados e presos no Rio de Janeiro, por meio da Operação Lume, às vésperas do crime completar doze meses sem conclusão: Ronnie Lessa e Élcio Queiroz. Um como o atirador e outro o condutor do veículo que perseguia a vereadora, ambos são ex-policiais militares.
O Ministério Público apresentou denúncia contra os dois acusados. As investigações continuam e permanecem sob sigilo para que seja possível esgotar outras linhas de investigação, como a possibilidade de existir um mandante. Quem mandou matar Marielle?
Com a identificação da autoria dos disparos, o Ministério Público já considera que Marielle foi assassinada pelo trabalho que desenvolvia em defesa dos direitos humanos, com base em uma “repulsa” pelas causas políticas da parlamentar de acordo com as buscas feitas pelo acusado na internet. Tal conclusão não afasta a noção de que Marielle foi vítima de uma execução sumária, uma grave violação de direitos humanos. Isto porque as pessoas e grupos que atuam em grupo paramilitares se sentem contrariadas em seus interesses pessoais, de diferentes ordens e especialmente econômicos, a partir da defesa dos direitos humanos.
Assim, o que aparenta ser ódio a pessoa, é uma reação ao que ela representa para as atividades desses grupos. A eliminação da pessoa beneficia a atividade do grupo de alguma forma, o que não se confundiria com a isolada vontade de eliminação da pessoa, característica comum dos crimes de ódio ou de “limpeza social”. É comum o ódio acompanhar muitas histórias de mortes por execuções sumárias, se recordarmos o que foi divulgado sobre as vítimas para a opinião pública. A campanha de ódio busca ganhar legitimidade para aquele assassinato, mas a execução sumária ali permanece.
As coletivas de imprensa realizadas sobre o caso trouxeram dúvidas em aberto, mas reforçaram de sobremaneira a hipótese de motivação por ódio contra Marielle. Por isso, faz-se importante dizer que a identificação de “repulsa” não anula um cenário de morte por execução sumária cometidas por grupos paramilitares. O perigo está em acreditar que o ódio individual seja uma explicação institucional para um caso de grande repercussão ao mesmo tempo em que o pano de fundo de uma grave violação de direitos humanos permanece intacta.
A noção de grupos paramilitares, como grupos de extermínio ou milícias, é necessária para entender o conceito de execuções sumárias e o envolvimento de agentes estatais para que assim um episódio grave não seja tratado como um homicídio simples entre civis. Todas as vidas importam, mas entender como atuam quem conduz uma arma de fogo, ameaças e atentados, apresenta um impacto diferenciado sobre prevenção e responsabilização de crimes.
Quando perguntamos quem mandou matar Marielle estamos cogitando que se trata de uma organização criminosa, articulada, que planejou o assassinato de uma vereadora. Quem pergunta quem mandou matar Marielle não aceita qualquer resposta, deseja explicações qualificadas na dimensão do tamanho da brutalidade. A noção de que alguém atirou e outras pessoas comandaram/encomendaram logo atrela a situação também a recompensa, pagamentos, vantagem, e quando existe agentes públicos envolvidos na organização logo se aproximam de um quadro de corrupção.
No caso revelado para todos até o momento, os denunciados são ex-policiais. Isto é, profissionais que desenvolviam atividade privilegiada no manejo de armas e munições. Além disso, tal atividade estabelece relações próximas com quem atua junto aos órgãos de segurança e justiça. Não é uma informação qualquer. Elucidar a questão é interesse que transcende os direitos primários de familiares de Marielle e Anderson. Interessa para toda a sociedade afastar a possibilidade de que exista qualquer vínculo de um ex-policial atuar com conhecimento e participação de policiais da ativa, bem como deveria interessar a própria corporação policial e instituições do Estado afirmar para a toda a sociedade que a nossa segurança não é negociada.
Outras três informações tornam o caso grave: o patrimônio de um dos suspeitos, o vazamento de informações sobre a prisão e a apreensão de 117 fuzis desmontados na casa do amigo de um dos investigados.
É atual a movimentação por Marielle e Anderson nas ruas. Amanhã todo o Brasil homenageia a memória de Marielle Franco com a realização de diferentes atividades pelo 14M. Considera-se o luto por um ano do assassinato de Marielle e Anderson um momento de luta por justiça e por direitos. Abaixo um dos chamados para o evento em São Paulo.