Desde fevereiro de 2005, é inevitável lembrar do assassinato brutal da missionária Dorothy Stang, 73 anos, no município de Anapu no Estado do Pará no dia 12 daquele mês. Na memória coletiva, mais recentemente, está a execução de Marielle Franco, 38 anos, no Rio de Janeiro prestes a completar 1 ano agora em março. O que aproxima esses dois assassinatos no Brasil de 2019?
São quatorze anos desde a grande repercussão nacional e internacional daquele episódio em Anapu, marcado pelo falatório da morte de uma americana naturalizada brasileira ou pelo susto de ser uma religiosa assassinada no meio da floresta. Tal qual se passou com Marielle, imediatamente após a notícia do assassinato de Dorothy começaram os rumores de que “ela não era quem vocês pensam”, em uma nítida campanha difamatória pós-morte para deslegitimar a mobilização social em 2005.
A difamação da imagem de defensores de direitos humanos ganha força em um país que se acredita que “bandidos” possuem menos direitos. Por isso, logo após um assassinato de ativista a dúvida sobre idoneidade moral da vítima ou antecedentes criminais é plantada na opinião pública. É uma estratégia de quem busca se beneficiar daquela morte.
Para quem acompanhava o trabalho de Dorothy, já se conhecia as ameaças que ela recebia e quais grupos as denúncias da missionária contrariava na região amazônica. Stang, que chegou na região no início dos anos de 1980, estava próximo aos trabalhadores rurais e suas famílias. Sua morte foi um crime por encomenda. Ela afirmava a importância do Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS), que é um modelo de produção familiar associada a preservação do meio ambiente e uso da terra, o que de pronto atingia a disputa por terra e a exploração madereira, dentro de um cenário complexo de disputas fundiária que não se limitam a Anapu. Por ser uma interlocutora dos trabalhadores locais por mais de vinte anos, Irmã Dorothy era reconhecida como uma defensora de direitos humanos no Estado do Pará, o que não é incompatível com o ofício de missionária.
Marielle surpreendeu por ser uma parlamentar mulher, negra, lésbica, e da periferia, o que a tornou um símbolo político também da sua representação. Embora não seja público qualquer ameaça contra a vereadora, sabe-se das barreiras de alcançar um cargo parlamentar por ser Marielle e por defender seus projetos. O ser e o dizer, alcançaram uma outra dimensão no ano de 2018.
Além de Dorothy e Marielle terem uma trajetória de defesa de direitos, as duas foram alvo de execuções como um método de eliminação de lideranças, em função de interesses particulares, com práticas criminosas com participação de agentes público. Uma em um contexto de violência no campo, em um cenário de tensão pela terra, a outra em um contexto de violência urbana, em uma rede de interesses com o protagonismo das milícias. Apesar do assassinato da vereadora Marielle Franco ainda não ser encerrado, diferentemente do Caso de Dorothy que o atirador e mandante já foram julgados, pode-se dizer que as duas situações são homicídios que não podem ignorar o lugar que essas mulheres ocupavam na causa que defendiam, suas vozes e quem são as redes beneficiadas por esses assassinatos.
A lembrança de mais de uma década daquela foto de Dorothy, jogada no chão da floresta, serve para dizer que outras tantas lideranças ainda estão em risco quando desafiam interesses econômicos individuais, arbitrários e criminosos. As causas defendidas por Dorothy e Marielle não se perdem ao longo do tempo, mas a violência contra quem ecoa a sua voz ganha força, com difamações, ameaças, constrangimentos e ataques, se ignorarmos o contexto que recepciona a morte no campo e na cidade.