Como escreve Ingrid Leão
Ingrid Leão é doutora em Direitos Humanos pela Faculdade de Direitos da USP, autora de “Execuções Sumárias, Arbitrárias ou Extrajudiciais” (Letramento, 2018).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu tenho muito problema com sono, então praticamente minha rotina é acordar muito cedo independentemente da hora que eu durma e por conta disso, eu preciso voltar a dormir depois de algumas horas. Como eu trabalho em casa, consigo estabelecer esse roteiro matinal. Quando digo cedo, estou falando em quatro ou cinco da manhã. Aí a primeira coisa que faço é ir olhar no celular. Vou ler mensagem atrasada, notícias, responder outras tarefas, fazer lista de tarefas. E só então eu volto a buscar sono ou decido sair da cama. Ao levantar, estou decidida a cuidar da casa, de comida, pesquisar, não tanto escrever. Minha mente só vai despertar para a escrita mais tarde.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Sinto que trabalho melhor depois das 15h e muito bem de noite. Eu costumo trabalhar por tarefa. Se tenho que fazer um relatório, reservo um tempo para aquela atividade, por exemplo. Meu ritual básico é um café antes de sentar, sempre água perto de mim e nenhum compromisso agendado próximo daquele horário em que estou buscando foco. Eu fico envolvida no texto e acabo faltando compromisso até, então, já apreendi a marcar a reunião ou encontro antes do meu texto. Às vezes, a depender do prazo, eu também desligo celular, que são distrações que chegam fora de hora. Habitualmente tenho todas as notificações eletrônicas no silencioso, o que ajuda a não dispersar durante a escrita. E quando eu estava no momento mais tenso do meu prazo de mestrado ou doutorado, deixei uma mensagem automática no meu e-mail explicando que estava com baixo acesso e responderia em breve. Quem é bem próximo de mim já sabe, que se não respondi uma mensagem ou não atendi o telefone, logo mais eu retorno.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu escrevo das duas formas, depende do conteúdo, da atividade/projeto. A minha tese de doutorado, por exemplo, eu precisava concentrar períodos para ver os capítulos concluídos, mas durante a pesquisa acabava escrevendo em notas separadas para que as ideias não se perdessem. Eu percebo que um texto sempre é uma anotação de algo, sempre estou anotando alguma ideia e depois eu recupero ela ou desenvolvo, o que é diferente do momento de pesquisa. Tenho uma meta de escrita por tema, quando alcancei o aspecto x ou y da temática ali é a minha métrica.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu coloco um roteiro no esqueleto do meu texto, escrevo primeiro o que eu tenho segurança, depois as ideias novas e por fim a costura. O meu texto é todo cheio de marcas coloridas, que são essas quebras sem sentido entre essas fases, mas que fazem parte do meu processo. A depender do conteúdo, para escrever um parágrafo ou uma página, requer muita leitura, que só quem escreve sabe o trabalho que levou.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Hoje em dia eu considero que superei muitas etapas de angustias e lágrimas. São dificuldades que são enfrentadas com a experiência com o texto e não fugindo dele. Algo que me ajudou foi a escolha das temáticas, aceitar o desafio de conteúdos que eu já estava envolvida, que eu estava interessada e com vontade de comunicar. Além disso, outro caminho foi escrever em parceria com algum amigo ou amiga, de preferência um pouco mais experiente que você em uma temática ou abordagem, para assim você aprender também com esse colega de escrita e fazer daquele momento uma troca.
Para superar o medo, precisamos valorizar toda a nossa trajetória, tudo o que a gente já leu para chegar até aqui, todas as aulas que a gente já assistiu, valorizar toda a nossa dedicação na pesquisa e entender que a escrita é uma fase de comunicar o seu trabalho. Tomara que seja uma excelente comunicação, mas se não for, outros trabalhos chegarão para você ser melhor que ontem.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu reviso muitas vezes e sempre encontro algum erro banal. Apesar disso, não coloco a revisão como uma condição para disparar o texto no mundo. Eu gosto de voltar ao texto depois de uma pausa, quando tenho tempo para tanto, lógico. Voltar ao texto é que permite mudar parágrafos, fazer uma costura mais afinada. Entrego sem problema o que escrevo para quem puder ler, de preferência pessoas próximas. Eu tenho amigas e amigos de muita confiança na leitura, é normal pedir uma leitura solidária. Eu gosto também de revisar o texto dos outros, aprendo muito sempre.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo no computador, faço notas em aplicativos eletrônicos, mas também tenho cadernos de anotações que não consigo jogar fora após acabar o projeto. Quando o texto está acabado, eu gosto de fazer uma leitura na versão impressa, o que dá um outro ritmo para correção do material, para mudança de parágrafos, para identificação de repetições. Eu percebo que cada vez mais tenho conseguido revisar direto no computador por questão de tempo e não tanto gosto, os pedidos e textos chegam em horários e a escrita depende de agilidade.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
As minhas ideias estão no mundo, não são tão minhas assim por dizer. Eu tenho percepções sobre vários acontecimentos com base em algumas diretrizes que estão no meu trabalho de pesquisa e ativismo com os direitos humanos. Aí poderia dizer que esse conjunto de hábitos prioriza ouvir as pessoas, a inquietação das pessoas me leva pensar como eu posso contribuir com respostas e perguntas.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Ao longo do tempo, posso dizer que minha relação com o tempo mudou. Já deixei de escrever por achar que não daria conta do prazo ou por acreditar que não daria conta da proposta. Hoje entendo que minha relação com o tempo é mudou porque na verdade nós nunca teremos tempo suficiente para escrever o quanto desejamos. Eu organizaria melhor as minhas fontes de leitura porque sempre voltamos em algo que já pesquisamos ou escrevemos. Eu guardaria com mais cuidado algumas dúvidas para serem revisadas, algumas foram abandonas no caminho por falta de tempo.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu acabei de passar pelo processo de lançar o meu primeiro livro, que foi com base na minha tese de doutorado, defendida em 2016. Foi um projeto também e ainda está em uma fase de consolidação, pois depois do livro pronto, ainda fazemos debates, mesas e lançamentos, apresentamos as ideias paro mundo. Não é só colocar o livro na prateleira. Pelo menos, na minha visão de pesquisa em direitos humanos, poderíamos buscar mais que pontuação com publicações. Por isso, eu acabei criando um blog que busca interagir os temas da pesquisa com a atualidade e atingir um conteúdo específico e um público mais amplo. Dessa maneira, acabou envolvida com ideias-temas que conformam uma lista de projeções para essa plataforma aí.
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