Oitenta tiros contra um carro. Nove soldados contra alguém não é pouca coisa, a disparar cerca de 80 tiros também não. Alguma razão deve ter. Geralmente se pensa em perseguição e resistência da pessoa ao comando de prisão. A única autorização legal até o momento para o uso de armas de fogo é com o fim de detenção. Por conta dessa presunção, logo se questiona se a pessoa atingida era inocente ou não inocente. Uma pergunta que banaliza assassinatos e confunde a morte como uma sentença arbitrária para o não inocente.
A morte de Evaldo Rosa na zona norte do Rio de Janeiro, em Guadalupe, é mais uma história chocante onde a sociedade exibe os critérios dos agentes de segurança no uso de armas. Conhecer que foram 80 tiros contra um carro de pessoas desarmadas, uma família a caminho de uma festa de chá de bebê, logo nos une sobre algo que nada parece razoável.
Apesar da mobilização social se atentar bastante para o sofrimento da família de Evaldo, o que inclui o testemunho de seu filho de sete anos de idade, que estava no local, dizer e repetir que Evaldo era pai de família não justifica a morte de outros sem família, mas tem uma função: evidenciar que morre quem estiver do outro lado do fuzil, sem considerar qualquer movimento suspeito, qualquer ação. A pessoa morre pelo o que é, e não pelo o que fez. Existe um comando de fogo, que não segue qualquer critério que se justifique em segurança pública: sinalização, prestar socorro, proteger pessoas próximas ao “alvo” da ação. É um comando de morte, que ao ser executado por militares do Exército carrega uma série de dúvidas que necessitam atenção.
Evaldo morreu porque era um homem negro dentro de um carro no subúrbio do Rio. Nada fez. Na versão dos militares do exército o carro de Evaldo se parecia com o carro de um assaltante. Aparência. Não há registros nem de que Evaldo agisse como um assaltante em fuga. Na sequência da investigação, as versões dos envolvidos foram de “injusta agressão” até negar os fatos.
Aqui temos um problema grave até para quem acredita que “bandido bom é bandido morto”, o destino de Evaldo se aproxima tristemente de você. É difícil delimitar quem o fuzil atinge, principalmente se você se iguala em cor e local de residência com o dito suspeito padrão. Não existe caminho do meio quando a lógica é a eliminação do inimigo ou o parecido com o inimigo.
Por isso, dar poder de fogo para que agentes de segurança atuem de acordo com suas impressões não é seguro para ninguém. O fazer e o agir ficam em segundo plano, vale a regra do parecer, e com baixíssimo, para não dizer nulo, critério de proporcionalidade em um contexto de racismo institucional. Nada se pergunta, apenas se aciona fogo. A figura da pessoa perseguida ou alvejada é que justifica a matemática sem pudores.